Por Leoni Pepe D’Adderio

Desde os relatos históricos mais antigos sobre a civilização humana se pode encontrar a figura do artista, especificamente do músico, atuando em cerimônias ritualísticas, entretenimento e educação. Sempre trabalhei com música no Brasil com aulas, recitais, gravações em estúdio, composição e arranjos, conhecia bem o nosso mercado. Mas quando tive a experiência de continuar minha formação musical no Reino Unido, passei a enxergar este mercado com uma visão mais global e detalhista. Resumindo, nosso país é muito jovem em comparação aos da Europa… a profissão de músico então, um bebê! Meu choque cultural/profissional foi em relação ao nível do ensino e dos profissionais. Ao longo da minha vivência de quase 6 anos em solo inglês, aprendi que o estudo é levado como algo muito sério e valioso, quer seja por hobby ou academicamente. Há a cultura de se aprofundar ao máximo, buscando bons professores, se integrando à área estudada e adquirindo sempre o melhor material disponível (comento sobre isso mais tarde). Pode soar estranho para nós que, encontramos professores de música que, se duvidar, nunca tiveram uma aula formal, mas a mentalidade inglesa é que, seja para tocar só para você ou para ser um concertista, você estudará escalas, teoria, harmonia, e todo conteúdo essencial que um músico deve saber. O resultado disso, que notei ao ingressar no mercado, é que a concorrência é imensa e muito bem qualificada! Seja na rede pública de ensino ou em uma aula ministrada na sala da casa de um professor, certamente encontraremos alguém com, no mínimo, graduação em seu instrumento. 

 

Mesmo sendo um estrangeiro, me inseri no mercado de trabalho como professor de piano, violão, composição e regente de orquestra. Fui aos poucos me enquadrando e adequando minha forma de ensino aos padrões e costumes da educação musical Britânica.Num país com grandes nomes da ciência como Charles Darvin e Isaac Newton, renomadas universidades como Cambridge e Oxford, não seria diferente na música. O ensino da música é regido pela Royal Academy of Music (Academia Real de Música, à qual sou professor vinculado), tendo os exames regulamentados pela ABRSM (Associated Board of the Royal Schools of Music). Os alunos passam por 8 grades (níveis) de ensino até estarem aptos a ingressar na universidade. Meu primeiro desafio foi me familiarizar com os métodos da ABRSM, que, em seus exames, avaliam a técnica, percepção musical, solfejo, leitura à primeira vista, além de 3 peças que devem ser escolhidas entre uma lista com 9 (ufa!). O ponto positivo, como é facilmente notado, é o estudo muito completo e sistematizado, em contrapartida, tenho alunos que tremem ao ouvir as palavras “Music Exam” (exame musical). Este sistema só funciona bem devido à cultura do estudo sistemático e, se pode ser posto assim, “cultuado”. Assim como minha opinião sobre métodos como o Suzuki (método japonês, que tem a filosofia de ensinar música com a participação assídua da família e uma grande dedicação de estudos desenvolvendo a prática oral da música, como se fosse a língua materna), acredito que este sistema ainda não funcione na íntegra no Brasil, mesmo assim, tenho apresentado este sistema aos meus alunos brasileiros. 

Leoni Pepe D’Adderio regendo a orquestra da Câmara de Chertsay durante um ensaio

Alguns dos benefícios de se viver em um país de primeiro mundo e sem taxas abusivas (absurdas), é a acessibilidade a materiais e equipamentos de alto nível. Uma grande parte de meus alunos de piano, ou chegavam até mim com alguns Yamaha’s, Steinway’s ou pelo menos alguns pianos semiacústicos. Para o estudo de repertório, eu sugeria o envio em pdf… porém a preferência é por comprar o livro impresso. Em meio a isso tudo, hoje vejo o quanto o nosso “jeitinho brasileiro” é eficiente em conseguir produzir grandes músicas mesmo em tamanha desvantagem com o mercado externo! Vivendo nesta outra realidade, adquiri a consciência de comprar produtos originais, samples, efeitos, softwares; Isso, claro, quando entrei para o mercado de produção musical, principalmente compondo trilhas, e senti na pele como um programa baixado pela internet pode te atrasar e prejudicar teu trabalho, principalmente com deadlines restritas. 
Na teoria musical, as regras existem para serem quebradas (Beethoven que o diga!), assim também me coloquei diante das “regras” da ABRSM. Ofereço aos meus alunos a leveza no lidar com a música que só é adquirida depois de muito samba e de alguns chorinhos!

 

O resultado de toda essa Odisseia que os alunos devem passar até chegarem ao patamar dos profissionais, é que a música é vista de uma forma um tanto acadêmica e sistemática. Durante as aulas, proponho repertórios e audições de pura apreciação e exploração! A música pela música. Sem a preocupação com exames, escalas, fraseados, etc. Considero o ensino estruturado de suma importância, porém, como um apaixonado por música, também me sinto no dever de ensinar o prazer de se ter a música como um meio de satisfação e alimento para a alma. A música é uma linguagem universal, entretanto, hoje posso dizer: Ela tem seus sotaques!